Qual o fator crucial para impedir mortes na pandemia de Covid-19?

Quanto mais um governo demora para determinar diretrizes como o nível de isolamento social, maior é o número de óbitos, indica estudo

21:45 | 06 de May de 2020 Por Paula Lima
Qual o fator crucial para impedir mortes na pandemia de Covid-19?

Falta de intervenções e políticas públicas impacta escala de mortes por coronavírus no mundo. (Foto: Fábio Lima/O POVO)

A velocidade de ação das autoridades é fundamental no combate ao novo coronavírus, constataram pesquisadores de três universidades federais brasileiras: UFPR, no Paraná; UFS, de Sergipe; e UFPE, de Pernambuco. O que pode parecer obviedade, não é. Caso fosse uma unanimidade, não haveriam ritmos tão diferentes das diretrizes adotadas por países impactados pelo novo coronavírus. O cálculo apresentado pelo estudo considera basicamente:

  • Intervenções drásticas – imposição de isolamento rigoroso até 25 dias depois da primeira morte confirmada: impediram até 80% de novas mortes em um país.
  • Intervenções drásticas – imposição de isolamento rigoroso até 35 dias depois da primeira morte confirmada: eficiência cai para 50% em impedir novas mortes.
  • Intervenções brandas – isolamento apenas de casos suspeitos até 35 dias: probabilidade de prevenir novas mortes é de apenas 10%.

O estudo liderado pelo físico Giovani Vasconcelos, do Departamento de Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR), foi pré-publicado na nota técnica Combate ao Coronavírus, no site medRvix e na biblioteca eletrônica Scielo. Segundo a BBC Brasil, os autores traçaram um modelo matemático para medir o impacto da omissão (falta de intervenções e políticas públicas) na escala de mortes, a partir de dados estatísticos. “Governos devem agir logo, pois a ‘janela’ de oportunidade para conter o avanço do vírus é muito estreita. Não dá para esperar”, diz Vasconcelos.

A BBC News Brasil pediu aos autores para aplicarem o modelo matemático usado para analisar o caso “fora da curva”, por ter tido menor índice de mortalidade do que países vizinhos, da Alemanha, em outras regiões do mundo. Foram analisados casos na Ásia, na Europa e nas Américas — entre eles, China (primeiro epicentro de covid-19), Coreia do Sul, Japão, Alemanha, Reino Unido, Suécia, Suíça, Brasil e Estados Unidos (atual epicentro).

Nível de fatalidade

A proposta para analisar as curvas de fatalidade de Covid-19 considera duas variáveis principais: primeiro, a taxa de crescimento exponencial que é identificada no início do surto (a escalada acelerada de mortes ao longo do tempo); segundo, a tendência de controle do vírus, que indica a desaceleração do contágio, rumo à estabilização e ausência de novas mortes (o “platô”), afirma a BBC Brasil. O cálculo é inspirado modelo matemático conhecido como “fórmula de Richards”.

Os autores, ainda segundo a BBC, analisam os números de mortes monitorados pela Universidade Johns Hopkins por considerá-los mais confiáveis – e não o número de casos confirmados, pois há muitos casos assintomáticos e as políticas para realizar testes variam muito de país para país (alguns só pedem exames para casos graves, por exemplo).

Em 4 de maio, a Universidade Johns Hopkins, elencou os 10 países com mais mortes:

  • Estados Unidos – 68,2 mil
  • Itália – 28,8 mil
  • Reino Unido – 28,4 mil
  • Espanha – 25,2 mil
  • França – 24,8 mil
  • Bélgica – 7,8 mil
  • Brasil – 7 mil
  • Alemanha – 6,8 mil
  • Irã – 6,2 mil
  • Holanda – 5 mil

Os cientistas foram observando como o número de mortes é diferente antes e depois de intervenções feitas pelos governos. “O que os dados mostram é que a inércia, a estratégia de ‘não fazer nada’ ou fazer o mínimo e esperar o vírus passar, tem um custo humano muito alto”, diz Vasconcelos.

“Intervenções não farmacológicas (possíveis sem vacina e sem medicamento) contribuem para controlar a escalada de mortes, mas descobrimos que um fator é fundamental: o tempo. Isto é, a eficácia depende do momento em que as ações foram adotadas. Países que demoraram para intervir agora estão precisando correr atrás do prejuízo. Países que adotaram medidas drásticas logo no início estão tendo melhores resultados.”

O que são as medidas não farmacológicas eficientes?

  • Realização de testes massivos
  • Isolamento social
  • Fechamento temporário de escolas e centros de comércio
  • Contact tracing: processo de identificação de quem pode ter tido contato com indivíduos infectados como fez a Coreia do Sul
  • Cluster approach: que tenta rastrear focos de infecção como foi feito no Japão
  • Medidas de supressão: pensadas para frear drasticamente o contágio, como “lockdown”, confinamento obrigatório e paralisação radical de atividades.

EUA

EUA, atual epicentro da pandemia, se destacam pela demora para agir e os dados indicam um crescimento exponencial no número de mortes. Segundo Vasconcelos, é possível notar diferenças dentro do próprio país ao comparar estados como Califórnia e Nova York.

Ambos tinham número similar de casos confirmados no início, mas os índices de mortes mudaram bruscamente: o governo californiano determinou medidas rigorosas de distanciamento social imediatamente, em 16 de março; o governo nova-iorquino agiu quatro dias depois, em 20 de março. Hoje (5 de maio), a Califórnia contabiliza 2.172 mortes; Nova York, 18.909. “Isso mostra que a ‘janela’ de tempo para agir é muito estreita. Atrasar dias pode derrubar a eficiência drasticamente”, diz Vasconcelos à BBC Brasil.

Brasil

O Brasil está patinando. “As mortes estão evoluindo em ritmo matematicamente mais lento se comparado aos Estados Unidos, o que quer dizer que medidas de mitigação, como o isolamento, estão funcionando. A má notícia é que não há tendência decrescente, a curva ainda aponta para o alto.”

China

Primeiro epicentro do vírus Sars-Cov-2, a longa quarentena de mais de 70 dias permitiu controlar a escalada de óbitos.

Coreia do Sul

Modelo mundial por realizar milhares de testes por dia, já está mais perto do “platô”, que é a estabilização e o controle do número de mortes.

Índia

Se destacou pela baixa taxa de mortalidade, apostou na política de testes e no isolamento. “Por exemplo, em 24 de março, a Índia, um país com 1,3 bilhão de habitantes, impôs uma quarentena obrigatória por três semanas, embora na época houvesse menos de 500 casos confirmados e apenas nove mortes pela covid-19”, diz o estudo.

Europa

Países como a Itália, que atrasaram a implementação de testes massivos, ou como França e Reino Unido que não conseguiram implementá-los inteiramente têm taxas de mortalidade mais altas que a Alemanha, que adotou uma política de testagem massiva muito cedo. Na mesma linha, países que seguiram o modelo alemão também têm se destacado positivamente, como Portugal, relata o estudo.

Independentemente da dimensão do país ou da estratégia escolhida a princípio, Vasconcelos destaca que o diferencial é a agilidade das ações.  “Há diferentes estratégias elegidas por país, que podem fazer sentido para cada realidade. Mas não importa a latitude ou a temperatura, o que importa é o tempo, a rapidez com que tais ações são postas em prática. O estudo mostra matematicamente que, qualquer que seja a situação, quanto mais cedo a ação, melhor. Países que perderam a primeira ‘janela’ de oportunidade não podem demorar mais. Antes tarde do que nunca.”

Além de Vasconcelos, os estudos são assinados por Gerson Duarte-Filho e Francisco Almeida (UFS), Antônio Macêdo e Raydonal Ospina (UFPE), Inês Souza (3Hippos Consultoria de Dados) e, no caso alemão, Christian Holm, da Universidade de Stuttgart.

Leia o estudo completo publicado pela BBC Brasil

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