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Chikungunya afetou mais as mulheres no Brasil

Fonte: BBC News Brasil – 06/04/2023 Identificado pela primeira vez na Tanzânia na década de 1950, o vírus chikungunya chegou oficialmente ao Brasil a partir de 2013 — e causou o primeiro surto em meados de 2015 e 2016. Em uma década, o patógeno que também é transmitido pela picada do Aedes aegypti, assim como os […]

10.04.23 - 07H56 Por danieloiticica

Fonte: BBC News Brasil – 06/04/2023

Identificado pela primeira vez na Tanzânia na década de 1950, o vírus chikungunya chegou oficialmente ao Brasil a partir de 2013 — e causou o primeiro surto em meados de 2015 e 2016.

Em uma década, o patógeno que também é transmitido pela picada do Aedes aegypti, assim como os seus “primos-irmãos” dengue e zika, se alastrou por 6 em cada 10 cidades brasileiras e causou sete grandes surtos.

Essas são algumas das descobertas de um artigo que acaba de ser publicado no periódico especializado The Lancet Microbe, assinado por especialistas de diversas instituições nacionais e internacionais.

O virologista brasileiro William M. de Souza, um dos autores principais do trabalho e pesquisador do Centro Mundial de Referência de Vírus Emergentes e Arbovírus da University of Texas Medical Branch, nos Estados Unidos, avalia que o impacto do chikungunya na saúde pública do país ficou um tanto difuso, em meio às crises de dengue e zika.

“O chikungunya foi introduzido no Brasil apenas um ano antes do zika, vírus que provocou aquela emergência por causa das doenças congênitas que causa em crianças pequenas”, lembra o especialista.

“E a dengue, por sua vez, sempre esteve muito associada a casos graves e mortes.”

Vale lembrar que a infecção pelo chikungunya tem uma fase aguda, marcada por febre, dor no corpo e fadiga. Porém, numa parcela de pacientes, a doença evolui para a forma crônica, marcada por fortes dores nas articulações, que são incapacitantes e podem se prolongar por meses.

O próprio nome do vírus e da doença, aliás, vem do maconde, uma das línguas faladas na Tanzânia, onde a primeira epidemia foi registrada no ano de 1953.

Neste idioma, a palavra chikungunya remete a “contorcer-se” ou “dobrar-se”, numa referência direta aos fortes incômodos que afetam as articulações e os músculos e fazem os pacientes ficarem encolhidos e prostrados.

“De forma geral as pessoas têm a noção errada de que o chikungunya causa dor, mas não mata”, observa Souza.

Portanto, no meio de tantos surtos e epidemias por zika e dengue e uma pretensa baixa gravidade, o chikungunya passou a ser encarado como uma questão de menor importância.

Mas o estudo recém-publicado mostra que a história é bem mais complexa: nesses dez anos de circulação pelo país, o vírus causou sete surtos e teve casos confirmados em praticamente 60% das cidades brasileiras. Ele também afetou mais as mulheres do que os homens — e apresentou uma taxa de mortalidade maior do que se imaginava.

Bolsões de casos

Para fazer a pesquisa, o grupo de cientistas reuniu dados genômicos e epidemiológicos sobre a doença.

Segundo o trabalho, entre 3 de março de 2013 e 4 de junho de 2022, foram confirmados 253,5 mil casos de chikungunya no Brasil.

Nesse período, aconteceram sete ondas epidêmicas. Elas atingiram o pico nos primeiros meses do ano, principalmente na época das chuvas, e se repetiram entre 2016 e 2022.

Essas infecções foram confirmadas em 3.316 dos 5.570 municípios do país, ou 59,5% das cidades.

E é justamente aqui que a história começa a ficar ainda mais detalhada. Os especialistas resolveram analisar a fundo o que aconteceu nos Estados mais atingidos: Ceará, Pernambuco e Tocantins.

Eles conduziram uma série de análises para entender porque esses locais concentraram a maior parte dos casos.

No Ceará, por exemplo, ocorreram três grandes ondas nos anos de 2016, 2017 e 2022.

“Nós sabemos que o chikungunya é um vírus que só se pega uma vez. Quando a pessoa tem a infecção, ela desenvolve uma imunidade por meio de células e anticorpos que muito provavelmente impede um segundo episódio da doença”, diz Souza.

Isso é diferente do que ocorre na dengue, que têm quatro tipos diferentes do mesmo vírus — ou seja, uma pessoa pode ter essa enfermidade até quatro vezes ao longo da vida.

O time de acadêmicos até testou a hipótese de existirem novas variantes do chikungunya com capacidade de reinfectar as pessoas — e, embora eles tenham encontrado genótipos diferentes do patógeno, eles não eram diferentes o suficiente para escapar das células de defesa e causar novos episódios da doença em indivíduos que já a tiveram no passado.

Como então um Estado teria surtos repetidos num curto espaço de tempo?

A resposta está na distribuição geográfica dos surtos: no caso do Ceará, os casos de 2016 e 2017 se concentraram principalmente nos municípios localizados mais ao norte.

Já em 2022, a onda epidêmica aconteceu nas cidades mais ao sul.

Você pode ver a diferença no mapa a seguir — quanto mais fortes as cores com as quais as cidades estão pintadas, maior a incidência de casos de chikungunya em cada local.

Impacto maior no público feminino

Outro achado do estudo foi o de que as mulheres são mais afetadas pelo chikungunya em comparação com os homens, especialmente na vida adulta.

O risco de elas testarem positivo para essa doença é significativamente maior em relação a indivíduos do sexo masculino.

Souza explica que os números de casos são relativamente parecidos nos extremos de idades — entre as crianças e os mais idosos.

Em algumas faixas etárias, as mulheres chegam a responder por mais da metade das infecções por esse vírus.

Existem algumas hipóteses que ajudam a entender esse fenômeno. A principal delas tem a ver com o comportamento humano.

“Nós sabemos que as infecções por dengue, zika e chikungunya acontecem principalmente no ambiente doméstico”, contextualiza Souza.

“A configuração da sociedade em muitos lugares do Brasil ainda segue aquela lógica de o homem sair para trabalhar enquanto a mulher cuida da casa e dos filhos”, responde o virologista.

Ou seja: como em muitos municípios a mulher adulta permanece mais no ambiente doméstico do que o homem, ela fica naturalmente exposta por um tempo maior às picadas do Aedes aegypti que podem carregar o chikungunya e outros vírus

Essa tese é corroborada por estudos feitos no exterior e também pelo fato de as crianças e os idosos de ambos os sexos terem uma incidência de casos parecida, uma vez que eles tendem a ficar um tempo similar dentro ou fora de casa.

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